quarta-feira, 31 de março de 2010

NÃO PODEMOS ESQUECER ESTA DATA - 31 MAR 1964.

31 Mar 64 - Revolução Redentora.

Causas.

A causa fundamental do movimento, cujo imediato efeito foi a deposição do Presidente João Goulart, não estava apenas na desordem política, econômica e social que a inépcia e os projetos golpistas do primeiro mandatário produziram, levando a Nação à intranqüilidade e ao temor. Havia também algo mais perturbador e ameaçador:- a revolução comunista ressurgente, velada, mas pressentida no tumulto dos acontecimentos. A segunda tentativa concreta de tomada do poder que os comunistas faziam no Brasil.
O Partido Comunista Brasileiro "PCB" - o partidão de Luiz Carlos Prestes aceitou a estratégia da via pacífica para a tomada do poder, recomendada por Moscou depois do XX Congresso convocado por Kruschev em 1956. A via pacífica consistia, e ainda consiste, em conduzir a revolução em duas etapas. A primeira, conquistar o governo pela via eleitoral legítima: a revolução nacional-democrática, como é denominada pelos teóricos comunistas. Estabelecido o governo popular, o segundo passo - a Revolução Socialista - é acumular forças isto é preparar o golpe de estado para a tomada do poder pleno e implantar a ditadura do proletariado. O PCB, assim abandonara a estratégia do assalto ao poder que empregara na Intentona de 1935.

Antecedentes.

Em Out 1960, Jânio Quadros, candidato pela União Democrática Nacional "UDN" se elegeu presidente da República com expressiva votação. João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro "PTB" foi também eleito como Vice-Presidente, em candidatura desvinculada e em oposição à chapa de Jânio, paradoxo permitido pela Constituição de 1946. Para garantir esta vitória, aceitou o acordo político eleitoral com o "PCB", que na ilegalidade, não podia ter candidato próprio.
Jânio Quadros tomou posse em 31 Jan 1961, porém durou pouco o seu governo. Inesperadamente, sem explicações razoáveis à época (25 Ago 1961), Jânio Quadros renunciou, criando uma grave crise político institucional. O sucessor legal do renunciante era o Vice-Presidente Goulart, naquele momento fora do País, em visita oficial à China Popular.
Conhecedores dos projetos revolucionários do "PCB", das posturas populistas da esquerda do Vice-Presidente, das ligações políticos eleitorais e da simpatia deste para com os comunistas, os Ministros da Marinha, da Guerra e da Aeronáutica manifestaram a inconveniência da posse do Sr João Goulart.
Em manifesto conjunto à Nação, assim declararam os ministros.
" No cumprimento do seu dever constitucional de responsáveis pela manutenção da ordem, da Lei e das próprias instituições democráticas, as Forças Armadas do Brasil, através da palavra autorizada dos seus ministros manifestam (...) a absoluta inconveniência, na atual situação, do regresso ao país do Vice-Presidente, o Sr João Goulart".
A grave advertência dos Ministros gerou imediata reação dos comunistas e das esquerdas nacionalistas e populistas, sob a liderança de Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul e cunhado do Vice-Presidente, com apoio e a participação do Comando e parte da tropa do então III Exército, levando a Nação a uma perigosa crise política e à quebra da unidade do Exército e das Forças Armadas. A aludida defesa da legalidade, na realidade, era a defesa de um projeto revolucionário que tinha exatamente o propósito de destruir a ordem constitucional. Naquele perigoso momento, os governadores estaduais se reuniram no Rio de Janeiro e propuseram uma solução de compromisso - a instituição do parlamentarismo (Ato Adicional de 03 Set 1961). João Goulart pôde assim chegar à Presidência da República, em um acordo aceito pelos Ministros militares, na iminência de uma guerra civil.

Manobras.

Golpistas da Esquerda Populista. Na onda esquerdista, animada com a campanha pela legalidade e pela posse de João Goulart, despontaram três lideranças de esquerda que não estavam vinculadas às organizações comunistas, embora com elas mantivessem as mais convenientes ligações.
O primeiro movimento, de natureza nacionalista-populista, foi criado por Leonel Brizola, quando ainda governador do Rio Grande do Sul. Continha vagos conceitos socialistas e sua bandeira nacionalista era de caráter meramente anti-imperalista e de oposição ao processo de espoliação do capital estrangeiro e das multinacionais no Brasil. O Presidente Goulart tinha semelhante posição, rivalizando-se com o seu cunhado.
O segundo movimento de esquerda foi de Miguel Arraes, então governador de Pernambuco. Era uma liderança local que se preocupava em se manter em evidência para garantir condições de uma candidatura à Presidência da República nas eleições de 1965 pelo mesmo partido do Presidente (que Presidente?) e de Brizola.
O terceiro movimento foi o das Ligas Camponesas. Fundado em Pernambuco nos anos 50, visava à mobilização dos trabalhadores rurais em defesa da reforma agrária e da extensão dos direitos trabalhistas ao campo. Seu líder era Francisco Julião.
Os cubanos viram nas Ligas Camponesas a possibilidade de implantar a guerrilha no Brasil. O esquema guerrilheiro das Ligas durou cerca de um ano. Em 1962, na área que estava sendo implantado em Dianópolis-GO, foi desbaratado por tropas federais, por determinação do próprio Governo Goulart,que tinha posição coincidente com a do "PCB", que se opunha à via campesina do movimento. Em resumo, desde a renúncia de Jânio Quadros, em 25 Ago 1961, até a eclosão do movimento cívico-militar de 31 Mar 1964, estavam em andamento dois projetos contra a democracia brasileira: um golpe nacionalista-populista e uma revolução comunista. O primeiro liderado pelo próprio Presidente e pelo seu cunhado, ex-governador do Rio Grande do Sul. O segundo, conduzido pelo Partido Comunista e seu secretário Luiz Carlos Prestes. Em torno destes projetos, toda a esquerda restante agitava, apostando na tendência que melhor coincidisse com os seus pontos de vista e objetivos.
No movimento nacionalista-populista, tanto o Presidente da República quanto o ex-governador do Rio Grande do Sul "queriam o poder para si; cada qual a seu modo procurou utilizar o movimento (...)". O Presidente tentou o seu projeto antes de se comprometer mais a fundo com os comunistas. Propôs o estado de sítio, a pretexto de uma suposta radicalização da direita, porém sofreu oposição de todos os setores, inclusive da própria esquerda que também se sentiu ameaçada. A medida não foi aprovada.
Por sua vez, Leonel Brizola exigiu o Ministério da Fazenda para si, posição que lhe garantia condições para realizar o seu projeto pessoal de conquistar o poder. Também neste episódio, a oposição foi tão grande que o Presidente não teve condições de nomeá-lo. Este fracasso levou Brizola a nova postura, agora nitidamente insurrecional. Para ele, a concretização das reformas só seria "possível, com a tomada do poder pelas armas, e com apoio do povo". O aliciamento de militares (oficiais nacionalistas, sargentos e marinheiros) seria na direção da articulação de um golpe nacionalista; e muitos se deixaram seduzir pelo discurso do ex-governador.
Em 1963 foram criados os chamados Grupos dos Onze que seriam as bases de massa e o braço armado de um futuro partido revolucionário cujo objetivo seria a implantação de um governo nacionalista popular, conhecido como República Sindicalista.
Elementos de estrita confiança do comando nacionalista "ajudariam os sargentos a tomarem os quartéis e a preservarem a legalidade. Cada sargento comandaria três grupos dos onze". (Denis de Moraes, A Esquerda e o Golpe de 64). As reformas de base eram a grande bandeira do movimento nacionalista-populista tanto como instrumento de mudanças institucionais, como de conquista do poder. As reformas eram mal explicadas, nunca se revelando exatamente o que seriam. Eram citadas: a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma educacional, a reforma tributária, a reforma administrativa, a reforma eleitoral, a reforma universitária, a reforma bancária, a reforma nas relações com as empresas estrangeiras. Serviam para tudo, até para justificar um golpe popular.

A Manobra Revolucionária Comunista.

O "PCB", por sua vez, tinha uma concepção consistente para a tomada do poder. Seu primeiro objetivo seria a conquista do governo pela via pacífica para implantar transitoriamente um governo popular-democrático. As circunstâncias favoreciam a tentativa de realizar esta meta pelo domínio do governo, antecipando a alternativa da via eleitoral já que estava na ilegalidade. Para tanto teria de aprofundar os compromissos com o Presidente Goulart e fazê-lo parte do empreendimento. Por essa razão apoiou decisivamente a sua posse quando contestada pelos Ministros militares e a campanha do NÃO no plebiscito que repudiaria o parlamentarismo, apenas seis meses depois de implantado, restabelecendo o presidencialismo e restituindo os plenos poderes ao Presidente.
Na própria narrativa do Secretário-Geral do "PCB", Luiz Carlos Prestes, a manobra do partido seria a seguinte: "Um poderoso movimento de massas sustentado pelo poder central e tendo em seu núcleo um dos partidos -(PCB)- mais sólidos do continente, instalado no seio do aparato estatal (...). Um exército penetrado dos pés à cabeça por um forte movimento democrático e nacionalista (...). A tomada do estado burguês do seu interior para fora". "Finalmente, uma vez a cavaleiro do aparelho do estado, converter rapidamente, a exemplo da Cuba de Fidel ou do Egito de Nasser, a revolução nacional e democrática em socialista". (Apontamentos do líder comunista, citados por Luiz Mir, op cit).
Para alcançar este objetivo, os comunistas se infiltraram no Governo e nas Forças Armadas a partir de onde tomariam, por dentro o poder.
As reformas de base também eram bandeira do "PCB", porém vistas por uma ótica revolucionária e não meramente populista. Concepção do Secretário-Geral do Partido em seus apontamentos e entrevistas: "A luta pelas Reformas de Base constitui um meio para acelerar a acumulação de forças e aproximar os objetivos revolucionários". "Não lutamos (ainda) por uma revolução socialista. Lutamos por um governo revolucionário anti-imperalista que, dentro do regime democrático, dê início às reformas indispensáveis ao país. Essas reformas sendo cada vez mais profundas, provocando elas próprias a abertura do caminho para a socialização". (citado por Luiz Mir, op cit).
As Reformas de Base, como ideologia intermediária, simulavam o jogo democrático e assim mascaravam as verdadeiras intenções do Partido.
O Presidente da República tentou fortalecer sua posição com alguns expedientes políticos. Inicialmente, em conluio com o seu cunhado. Todas as iniciativas, porém, fracassaram, rejeitadas até pelas esquerdas. O Presidente não teve outra alternativa: negociou com o "PCB". Ele "apresentaria a plataforma de um governo nacional e democrático, anti-imperalista e reformista"; o Partido "lançaria oficialmente a candidatura (do Presidente) à eleição de 1965". O líder comunista "pregava publicamente a continuidade do Presidente, com golpe". (Luiz Mir, op cit). O Continuísmo permitia o prosseguimento do trabalho de domínio do governo em curso e a consolidação das posições já alcançadas pelo Partido.

Agitação e Propaganda.

No período de 1961 a1964, todas as organizações de esquerda desenvolveram intenso trabalho de agitação, com início nos episódios da campanha pela posse do Vice-Presidente (1961) e na campanha para restabelecer o sistema presidencialista por meio do plebiscito previsto no Ato Adicional que implantou o parlamentarismo (1962).
As grandes bandeiras levantadas foram o nacionalismo, o anti-imperalismo, as Reformas de Base e um alegado golpismo de direita.
No Movimento Sindical, sobressaiu o Comando Geral dos Trabalhadores "CGT", encabrestado ao governo e ao seu partido, mas sob controle efetivo do "PCB". O movimento desencadeou uma intensa onda de greves políticas, a pretexto de reivindicações trabalhistas. O grevismo descontrolado com a conivência oficial assustou e intimidou a sociedade nacional.
O clímax da agitação e propaganda se deu no Comício pelas Reformas, realizado em frente da estação da Central do Brasil, em 13 Mar 1964, no Rio de Janeiro. Com artifícios espertos para reunir os trabalhadores, os organizadores concentraram uma multidão de cerca de 100 mil pessoas. Com a presença do Presidente da República e sua esposa, de Ministros de Estado e dos principais líderes nacionalistas, populistas e comunistas, os sucessivos oradores radicalizavam (suas posições), com suas propostas para formação imediata de um governo verdadeiramente popular e de mudanças da Constituição que viabilizassem as Reformas de Base.

Ruptura da Disciplina nas Forças Armadas.

O Governo, por influência e sugestão dos populistas e comunistas, montou o que se denominou Esquema Militar para sua sustentação e para garantia contra os militares golpistas e reacionários. Este esquema se fazia basicamente pela colocação de oficiais-generais nacionalistas e progressistas em certos pontos-chaves e pela mobilização e politização de sargentos e marinheiros em torno da legalidade, do nacionalismo e das reformas.
Também o "PCB" tinha o seu setor militar, o mais secreto da organização. Segundo um ex-oficial comunista, era inexpressivo em número, mas muito ligado a Prestes. Estima ele que, em 1964, havia cerca de mil militares (oficiais, sargentos e outras praças) reformistas (nacionalistas de esquerda) e cerca de 150 comunistas ativistas em todo o Exército.
O Movimento Nacionalista-Populista do ex-governador Leonel Brizola foi a principal linha de aliciamento de militares, exercendo grande influência sobre sargentos e praças desde a sua Campanha da Legalidade em 1961.
O ativismo no meio dos sargentos e praças acabou por provocar sérias manifestações de indisciplina e rebeldia. Em Set 1963, os sargentos de Brasília, a maioria da Marinha e da Aeronáutica, se rebelaram contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que considerou inelegíveis os sargentos que concorreram às eleições parlamentares de 1962. Os amotinados ocuparam vários pontos da Capital Federal. Esperaram a adesão em outros locais do país, o que não aconteceu. A rebeldia foi dominada por tropas do Exército em menos de 24 horas, sem resistência dos amotinados. Em Mar 1964, se deu uma demonstração de indisciplina mais grave: em assembléia no Sindicato dos Metalúrgicos no Rio de Janeiro, cerca de mil marinheiros exigiram a suspensão das punições aplicadas aos dirigentes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Presentes lá, também estavam solidários e insufladores, dirigentes do "CGT" e militantes de várias organizações de esquerda.

Além do mais, contaram com o apoio de dois Almirantes, um dos quais, Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais. O Ministro da Marinha solicitou tropas do Exército que cercaram e evacuaram o sindicato. O Presidente, para contornar a crise e cedendo às pressões das esquerdas, exonerou o Ministro da Marinha e nomeou um novo titular, Almirante da reserva, nacionalista, concordando ainda em anistiar os insubordinados. O último acontecimento, demonstrando a quebra da hierarquia e disciplina, se deu na noite de 30 Mar 1964 na sede do Automóvel Clube do Brasil, no Rio de Janeiro: comemoração do aniversário da Associação de Sub-Oficiais e Sargentos da Guanabara. Se reuniram cerca de 2000 pessoas tendo como convidado especial o próprio Presidente da República. Na assistência, dois Ministros militares, o Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, o líder da rebelião dos marinheiros e representantes de toda a esquerda, populistas e comunistas. Os discursos foram inflamados e revolucionários, inclusive a fala do Presidente da República. Mas, naquele momento já estava em movimento a Revolução de 31 Mar 1964.
A crescente agitação política e social, o desgoverno e a evidência de um movimento comunista em marcha acabaram por gerar uma sensação de insegurança geral. Embora o centro de inquietação e de crescente oposição estivesse principalmente na classe média, também os trabalhadores em geral se sentiam insatisfeitos e inseguros. A desorganização geral, a inflação, o desabastecimento, a corrupção e a ameaça latente da ruptura da ordem política e social atingiam toda a sociedade.
O anseio de reversão do quadro era generalizado e a esperança se voltou naturalmente para as únicas instituições que ainda guardavam os princípios de autoridade, a coesão interna e a capacidade de agir com firmeza e serenidade: a Igreja Católica e as Forças Armadas.
(Transcrito da Revista do Clube Militar - Ed. Especial. Autor: Sérgio A. de A. Coutinho - Gen Bda, escritor e historiador).

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