quarta-feira, 4 de novembro de 2009

PARA CONHECIMENTO - FALSO MILITAR.

Falso militar dava curso de selva em SP

Antes de ser preso, enganou mais de 20 pessoas e cobrou até R$ 5 mil de recrutas, que esperavam ir para o Haiti
Marcelo Godoy

Rafael Fernandes dos Santos montou um curso de formação de militares. Dava aulas na selva, ensinava a marchar e cobrava até R$ 5 mil para garantir aos alunos uma vaga na tropa brasileira que participa da força de paz das Nações Unidas no Haiti. Exigia que policiais militares lhes prestassem continência, pois "era o primeiro-tenente Fernandes, do 2º Batalhão de Polícia do Exército (2ºBPE)". Enganou mais de 20 pessoas, que sonhavam com a carreira militar. Acabou denunciado por duas das vítimas e preso pela Polícia Civil de São Paulo.
Fernandes, de 24 anos, teve a idéia de montar a academia particular há dois anos. Sua formação militar se resumia a cinco meses de treinamento como recruta do 6º Batalhão de Infantaria Leve (6ºBIL), em Caçapava (SP), de onde foi desligado por indisciplina. "Ele era go-go boy", afirmou o delegado Oswaldo Nico Gonçalves, do Grupo de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), responsável pela prisão. O acusado se dizia amigo de um coronel do Exército. "Ele dizia tê-lo conhecido em uma sauna", afirmou G.C.S., de 21 anos, um dos alunos que denunciaram o falso oficial.
O tal coronel seria quem iria garantir a presença dos alunos, após o curso, na força de paz no Haiti. "Era convincente. Tratava os alunos como se fosse o capitão Nascimento", disse o delegado. De fato, Fernandes não dava mole para os recrutas. Durante a instrução de guerra na selva, ralava todo mundo. "Ele dava tapa na cara se alguém fazia coisa errada. Era um treinamento normal", disse o ex-aluno G.C.S.. As aulas teóricas de ordem unida eram dadas na casa do acusado, na Vila Brasilândia, zona norte da capital.
Os acampamentos duravam até quatro dias e eram feitos em Paranapiacaba. "O cara é bom. Ele faz rappel de ponta-cabeça. Aprendi várias coisas. O ruim é que ele mentiu", disse o aluno. Cada recruta pagava de R$ 1 mil a R$ 5 mil pelo curso. Além das instruções de ordem unida e sobrevivência na selva, o tenente Fernandes dava instrução de tiro. Usava pistolas semi automáticas e uma carabina.
"Uma vez a Rota parou ele. E ele enquadrou a guarnição: "Ô seu bisonho, presta continência para o seu superior". E o PM se enquadrou. Tinha um colega meu que foi detido uma vez pela PM e ele foi lá retirar o cara. Foi fardado e voltou com o rapaz", afirmou G.C.S.. "Como é que a gente ia desconfiar?"
Mas o tempo passou e nada de os alunos serem apresentados ao tal coronel. G.C.S. e um colega resolveram procurar o quartel do 2º BPE. Ali souberam que não havia nenhum tenente Fernandes entre os oficiais do batalhão. Preocupado com a ação do acusado, o Exército resolveu agir. Pôs um dos homens da Companhia de Informações, do Comando Militar do Sudeste (CMSE), para averiguar a existência do curso. O agente secreto constatou a veracidade da denúncia e o Exército informou a polícia.
Eram 18h30 do dia 29 de outubro quando os homens do GARRA bateram na porta da casa de Fernandes. Ele abriu a porta e os policiais revistaram o lugar, onde estavam 12 alunos - a maioria ficou sabendo ali que era vítima de um golpe. Em pouco tempo, os investigadores encontraram duas pistolas calibre 7,65 mm, fardas do Exército, coletes à prova de bala, espadas, braçadeiras da Polícia do Exército, 334 gramas de maconha, documentos de identidade militar falsificados, cheques e um Peugeot com sirene. "Ele foi preso por porte ilegal de arma e tráfico de drogas", disse o delegado Arly Antônio Reginaldo. Fernandes, segundo a polícia, disse que havia recebido uma missão. Queria voltar ao Exército e, se conseguisse arregimentar 20 alunos, seria reintegrado. Deve responder preso às acusações.


Aluno recebeu a 'missão' de comprar maconha
Marcelo Godoy

Os alunos do curso do falso tenente Rafael Fernandes dos Santos tinham de cumprir missões. Silva (nome fictício) teve de comprar maconha. "Saí da sua residência às 18h25 e comprei a maconha na biqueira e cheguei às 20h30. Missão dada, missão cumprida", escreveu o aluno no relatório que fez para o chefe. Outro aluno recebeu a incumbência de cuidar do carro do tenente, um Escort.
"Deverá juntamente com seus irmãos de farda cuidar da reforma da viatura Escort, sem ponderações. Isso é uma ordem. Acostume-se", dizia o ofício do tenente ao aluno J.W.P., de 22 anos, recém-nomeado 2º sargento. Fernandes distribuía patentes e graduações aleatoriamente aos alunos. Um virava cabo; outro, sargento. A única mulher da turma, S.N.O., de 22, virou segundo-tenente assim que chegou, pois, como mulher, precisaria da patente para se impor. Quem se saía bem, era promovido, como J.W.P., que virou aspirante-a-oficial.
Ao ingressar no curso, o aluno recebia uma carta de boas-vindas. "A Polícia do Exército lhe dá boas-vindas e com prazer o inclui em nossa família." O papel com timbre do Exército e brasão da República citava passagem do livro Guerra de Guerrilhas, de Ernesto Che Guevara, sobre a disciplina guerrilheira. Ao recém-incorporado sargento J.W.P., ele prometia soldo de R$ 4 mil após seis meses de treinamento. "O Brasil conta com você", dizia o ofício.
O tenente, segundo os alunos, oferecia maconha aos alunos. Ele levava uma bandeira do Brasil para os acampamentos e dizia conseguir as fardas no quartel do Curso Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR), em Santana, na zona norte de São Paulo. "Para as vítimas, ele desempenhava bem o papel", disse o delegado Arly Antonio Reginaldo, do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic).
Houve um aluno que tatuou no braço a frase "Deus cria a PE mata", referindo-se à Polícia do Exército. Um outro foi convencido a entregar um Peugeot 206 para pagar pelas aulas. Além de Paranapiacaba, o falso tenente usava o sítio de um aluno no interior do Estado. Ali foram dadas aulas de tiro e marcha. "A gente rastejava e ficava horas na água. Um dia, era mais de oito da noite, e a gente ainda estava ralando", afirmou G.C.S..
Jovens de 18 a 25 anos, da periferia da zona norte, eram as vítimas. Houve quem gastasse o que não tinha para fazer o curso. É o caso de J.W.P., que pegou com a mãe o dinheiro que ela ia usar na reforma da casa para pagar "o tenente Fernandes". A polícia deve apurar agora os crimes de estelionato e falsificação de documento, mas descarta que Fernandes quisesse montar uma milícia.

Fonte: O Estado de São Paulo – Resenha CComSEx

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